Religião e Gastos com Educação
Fé no trabalho
A relação entre as diferentes crenças religiosas e a atividade profissional
Flávia Rodrigues
Fonte : Boa Chance - O Globo - 23/10/2007
Como cada religião encara a atividade profissional? Que vantagens ou resguardos existem nas várias expressões da fé? A Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (POF/IBGE), divulgada no mês passado, revelou as diferenças de ganhos e despesas entre religiões como espírita, evangélica pentecostal e católica.
Mas como profissionais e empresários que são fiéis à sua crença relacionamse, por exemplo, com o lucro? Ou com as estratégias politicamente incorretas, comuns ao mercado? E no caso de quem precisa respeitar os dias santos? A preocupação com a verdade, por exemplo, norteia o trabalho do advogado Marco Ferrari Sotto Mayor, que não só é seguidor de Krishna como responsável por um templo, no Itanhangá. Ele optou pela área cível federal — impetrando ações contra a União — porque, nesses casos, não tem de montar estratégias ou omitir fatos, como, diz ele, fazem alguns de seus colegas de profissão.
— Na minha área, as causas são sempre lícitas. Considero essa escolha um arranjo da providência — diz Sotto Mayor, cujo nome de iniciação é Mahaprabhu.
Da mesma fé comunga Leelaraja, registrado em cartório como Luciano Janson.
Ele vive num templo, em Teresópolis, na Região Serrana. Já teve um restaurante de comida vegetariana na Barra: — Oramos antes de produzir qualquer alimento, ainda que seja produzido em escala industrial.
PMs pediriam para atuar internamente Ao comentar a relação entre os trabalhadores e suas crenças, a antropóloga Cristina Vital, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), fala de uma particularidade dos evangélicos, principalmente dos que trabalham como policiais. O foco de Cristina, que leciona “História das favelas” na Polícia Militar do Estado do Rio, é a violência: — Há muitos evangélicos entre os PMs. Parte desse grupo vive o dilema de ter que portar armas. Por isso, alguns pedem para trabalhar em gabinetes.
Ouvida, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública informa que desconhece o fato.
O dízimo é outra questão, principalmente entre os pentecostais. Segundo a socióloga Lilibeth Cardozo, uma das gerentes da POF, a doação poderia ser uma das responsáveis pela diferença desfavorável entre receita e despesa mensais desses envangélicos. Enquanto os lares do grupo religioso são sustentados com R$ 1.271 por mês, a despesa é de R$ 1.301,32. Os números podem ser entendidos como endividamento: — O valor desse gasto específico, entre os que seguem essa religião, é cinco vezes maior do que a média nacional.
Entre as clientes, há fiéis. E vice-versa
No caso da empresária evangélica Fátima Pazos, a mistura de religião e atividade profissional é grande. Mas ela não vê qualquer problema nessa relação. Pastora da comunidade pentecostal Sara Nossa Terra e dona de uma clínica de estética na Barra, Fátima é responsável pelo aconselhamento de 60 pessoas na igreja. Entre os fiéis, há os que decidiram fazer tratamento de beleza com ela: — O contrário também acontece: outros clientes passaram a freqüentar cultos coordenados por mim.
O lucro, por sua vez, não é um problema para o católico Arnaldo Lages, presidente da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas do Rio de Janeiro (ADCE/RJ) e de uma cooperativa. A entidade, que tem 98 associados no estado, incentiva a partilha do desempenho empresarial com os funcionários.
— Somos a favor da distribuição de renda, pois ela promove o bem comum. E a igualdade é um princípio da doutrina cristã — afirma Lages.
O representante gaúcho da entidade, Sérgio Kaminski, acrescenta que o lucro decorrente da atividade produtiva é indicador de competência. E acentua que toda empresa deve fazer um balanço social periódico.
Crenças são responsáveis por restrições
Pesquisa mostra que adeptos da religião espírita investem mais em educação, o que pode explicar a renda maior
A crença religiosa de judeus e muçulmanos também é responsável por restrições no trabalho, como lembra a antropóloga Cristina Vital, do Iser. Os primeiros, por exemplo, não realizam esforço físico em público entre sexta-feira e sábado. Os mais ligados à religião, portanto, suspendem as atividades profissionais. Já os muçulmanos, acrescenta ela, têm na quinta-feira seu dia santo.
— Isso já acarretou alguns problemas. Na França, alguns judeus foram criticados por privatizar o espaço público, já que reservavam áreas para ficarem em repouso. No caso dos muçulmanos, o conflito é com os fusos horários de um mundo globalizado — diz ela.
Quanto aos espíritas, uma das características mais marcante é a preocupação adicional com a educação, que se reflete nos resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE). O grupo religioso gasta 4,6% de seu rendimento mensal familiar com estudos.
Em valores absolutos, o índice corresponde a R$ 166,69. A gerente da pesquisa Lilibeth Cardozo diz que é possível que a preferência por esse tipo de gasto possa estar relacionada à renda média mensal das famílias espíritas. É a mais alta entre todas as pesquisadas, somando R$ 3.796: — Pode ser uma indicação de que o investimento em estudo eleve a renda.
Os gastos dos espíritas, aliás, também são os mais altos: chegam a R$ 3.617,28. É mais que o dobro do rendimento dos católicos, calculado em R$ 1.790, em média. Por sinal, as despesas do grupo ligado ao Vaticano têm um valor parecido aos ganhos, de R$ 1.769,32, empatando as contas no fim do mês.
Empresário espírita concede bolsas no curso que promove
Os espíritas foram o grupo religioso com o maior percentual de aumento de patrimônio (6%) e a maior redução de dívidas (2,7%). Esses itens podem ser entendidos, respectivamente, como compra de casa própria, títulos de clubes ou de capitalização, e também pelo pagamento de prestações relativas à habitação ou dividas judiciais. O aumento do patrimônio dos evangélicos de missão ficou em 3,2%.
O empresário Daniel Carvalho, dono de uma distribuidora de produtos e equipamentos para pet shops em Madureira, é adepto da religião espírita. Ele confirma que a crença enfatiza a importância dos estudos não só para o crescimento individual, mas também para o desenvolvimento das pessoas ao redor. Foi assim que ele formou uma parceria com a ONG Projeto Social: a cada turma do curso de tosa que promove, oferece uma bolsa para um aluno da rede pública de ensino.
— Na religião espírita, não basta ter. É preciso ser. A gente aprende que é preciso educar o espírito e ajudar o próximo a evoluir. Estamos na Terra de passagem. Levaremos conhecimento para a próxima encarnação.
Da mesma forma, continua Carvalho, tratar mal um funcionário pode originar um carma pesado. Você tem que trabalhar num ambiente saudável para si e para os colegas: — Todas as atitudes do ser humano estão relacionadas.
Instituto ajudou IBGE a agrupar as religiões
As outras religiões, declaradas por porcentagens menores de entrevistados, foram agrupadas num só item, segundo Lilibeth Cardozo. Porém, com muita parcimônia. Para fazer esse agrupamento, o IBGE teve assessoria do Iser.
— As pessoas declararam pertencer às mais diferentes variedades de religiões. Seria impossível catalogar os dados de tantas alternativas. Por isso, optamos por uni-las. Mas era preciso saber a que tabelas elas poderiam ser agregadas.
A renda mensal das famílias desse grupo, que recebeu o nome de “Outras religiosidades”, fica próxima de R$ 3 mil e só não é maior que a dos espíritas. Da mesma forma, os gastos são altos: R$ 2.523,86.
A relação entre as diferentes crenças religiosas e a atividade profissional
Flávia Rodrigues
Fonte : Boa Chance - O Globo - 23/10/2007
Como cada religião encara a atividade profissional? Que vantagens ou resguardos existem nas várias expressões da fé? A Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (POF/IBGE), divulgada no mês passado, revelou as diferenças de ganhos e despesas entre religiões como espírita, evangélica pentecostal e católica.
Mas como profissionais e empresários que são fiéis à sua crença relacionamse, por exemplo, com o lucro? Ou com as estratégias politicamente incorretas, comuns ao mercado? E no caso de quem precisa respeitar os dias santos? A preocupação com a verdade, por exemplo, norteia o trabalho do advogado Marco Ferrari Sotto Mayor, que não só é seguidor de Krishna como responsável por um templo, no Itanhangá. Ele optou pela área cível federal — impetrando ações contra a União — porque, nesses casos, não tem de montar estratégias ou omitir fatos, como, diz ele, fazem alguns de seus colegas de profissão.
— Na minha área, as causas são sempre lícitas. Considero essa escolha um arranjo da providência — diz Sotto Mayor, cujo nome de iniciação é Mahaprabhu.
Da mesma fé comunga Leelaraja, registrado em cartório como Luciano Janson.
Ele vive num templo, em Teresópolis, na Região Serrana. Já teve um restaurante de comida vegetariana na Barra: — Oramos antes de produzir qualquer alimento, ainda que seja produzido em escala industrial.
PMs pediriam para atuar internamente Ao comentar a relação entre os trabalhadores e suas crenças, a antropóloga Cristina Vital, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), fala de uma particularidade dos evangélicos, principalmente dos que trabalham como policiais. O foco de Cristina, que leciona “História das favelas” na Polícia Militar do Estado do Rio, é a violência: — Há muitos evangélicos entre os PMs. Parte desse grupo vive o dilema de ter que portar armas. Por isso, alguns pedem para trabalhar em gabinetes.
Ouvida, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública informa que desconhece o fato.
O dízimo é outra questão, principalmente entre os pentecostais. Segundo a socióloga Lilibeth Cardozo, uma das gerentes da POF, a doação poderia ser uma das responsáveis pela diferença desfavorável entre receita e despesa mensais desses envangélicos. Enquanto os lares do grupo religioso são sustentados com R$ 1.271 por mês, a despesa é de R$ 1.301,32. Os números podem ser entendidos como endividamento: — O valor desse gasto específico, entre os que seguem essa religião, é cinco vezes maior do que a média nacional.
Entre as clientes, há fiéis. E vice-versa
No caso da empresária evangélica Fátima Pazos, a mistura de religião e atividade profissional é grande. Mas ela não vê qualquer problema nessa relação. Pastora da comunidade pentecostal Sara Nossa Terra e dona de uma clínica de estética na Barra, Fátima é responsável pelo aconselhamento de 60 pessoas na igreja. Entre os fiéis, há os que decidiram fazer tratamento de beleza com ela: — O contrário também acontece: outros clientes passaram a freqüentar cultos coordenados por mim.
O lucro, por sua vez, não é um problema para o católico Arnaldo Lages, presidente da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas do Rio de Janeiro (ADCE/RJ) e de uma cooperativa. A entidade, que tem 98 associados no estado, incentiva a partilha do desempenho empresarial com os funcionários.
— Somos a favor da distribuição de renda, pois ela promove o bem comum. E a igualdade é um princípio da doutrina cristã — afirma Lages.
O representante gaúcho da entidade, Sérgio Kaminski, acrescenta que o lucro decorrente da atividade produtiva é indicador de competência. E acentua que toda empresa deve fazer um balanço social periódico.
Crenças são responsáveis por restrições
Pesquisa mostra que adeptos da religião espírita investem mais em educação, o que pode explicar a renda maior
A crença religiosa de judeus e muçulmanos também é responsável por restrições no trabalho, como lembra a antropóloga Cristina Vital, do Iser. Os primeiros, por exemplo, não realizam esforço físico em público entre sexta-feira e sábado. Os mais ligados à religião, portanto, suspendem as atividades profissionais. Já os muçulmanos, acrescenta ela, têm na quinta-feira seu dia santo.
— Isso já acarretou alguns problemas. Na França, alguns judeus foram criticados por privatizar o espaço público, já que reservavam áreas para ficarem em repouso. No caso dos muçulmanos, o conflito é com os fusos horários de um mundo globalizado — diz ela.
Quanto aos espíritas, uma das características mais marcante é a preocupação adicional com a educação, que se reflete nos resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE). O grupo religioso gasta 4,6% de seu rendimento mensal familiar com estudos.
Em valores absolutos, o índice corresponde a R$ 166,69. A gerente da pesquisa Lilibeth Cardozo diz que é possível que a preferência por esse tipo de gasto possa estar relacionada à renda média mensal das famílias espíritas. É a mais alta entre todas as pesquisadas, somando R$ 3.796: — Pode ser uma indicação de que o investimento em estudo eleve a renda.
Os gastos dos espíritas, aliás, também são os mais altos: chegam a R$ 3.617,28. É mais que o dobro do rendimento dos católicos, calculado em R$ 1.790, em média. Por sinal, as despesas do grupo ligado ao Vaticano têm um valor parecido aos ganhos, de R$ 1.769,32, empatando as contas no fim do mês.
Empresário espírita concede bolsas no curso que promove
Os espíritas foram o grupo religioso com o maior percentual de aumento de patrimônio (6%) e a maior redução de dívidas (2,7%). Esses itens podem ser entendidos, respectivamente, como compra de casa própria, títulos de clubes ou de capitalização, e também pelo pagamento de prestações relativas à habitação ou dividas judiciais. O aumento do patrimônio dos evangélicos de missão ficou em 3,2%.
O empresário Daniel Carvalho, dono de uma distribuidora de produtos e equipamentos para pet shops em Madureira, é adepto da religião espírita. Ele confirma que a crença enfatiza a importância dos estudos não só para o crescimento individual, mas também para o desenvolvimento das pessoas ao redor. Foi assim que ele formou uma parceria com a ONG Projeto Social: a cada turma do curso de tosa que promove, oferece uma bolsa para um aluno da rede pública de ensino.
— Na religião espírita, não basta ter. É preciso ser. A gente aprende que é preciso educar o espírito e ajudar o próximo a evoluir. Estamos na Terra de passagem. Levaremos conhecimento para a próxima encarnação.
Da mesma forma, continua Carvalho, tratar mal um funcionário pode originar um carma pesado. Você tem que trabalhar num ambiente saudável para si e para os colegas: — Todas as atitudes do ser humano estão relacionadas.
Instituto ajudou IBGE a agrupar as religiões
As outras religiões, declaradas por porcentagens menores de entrevistados, foram agrupadas num só item, segundo Lilibeth Cardozo. Porém, com muita parcimônia. Para fazer esse agrupamento, o IBGE teve assessoria do Iser.
— As pessoas declararam pertencer às mais diferentes variedades de religiões. Seria impossível catalogar os dados de tantas alternativas. Por isso, optamos por uni-las. Mas era preciso saber a que tabelas elas poderiam ser agregadas.
A renda mensal das famílias desse grupo, que recebeu o nome de “Outras religiosidades”, fica próxima de R$ 3 mil e só não é maior que a dos espíritas. Da mesma forma, os gastos são altos: R$ 2.523,86.
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