sábado, outubro 27, 2007

Sentença de 700 anos

Sentença de 700 anos

Vaticano libera documentos secretos que afastam dos templários maldição da heresia
por Flávio Henrique Lino
Fonte : Ciência - Página 45 - O Globo em 27 de Outubro de 2007


Podia ser o enredo de um filme. Um rei poderoso e maquiavélico, afundado até o pescoço em dívidas, aproveita-se da fraqueza de um Papa vacilante para arquitetar um plano e acabar com um rico e influente grupo de membros da Igreja a quem deve dinheiro, apossando-se de seus bens. O golpe, quando vem, é arrasador. Acusados de heresia e outros crimes contra a religião, cerca de 500 homens são martirizados na fogueira, protestando inutilmente inocência. Do episódio nascem lendas sobre tesouros escondidos, sobreviventes clandestinos e organizações secretas que perduram pelos 700 anos seguintes.

A trama, no entanto, é bem real. E anteontem começou, finalmente, a ser esclarecida de vez.

Após a descoberta de papéis erradamente classificados em seus Arquivos Secretos, o Vaticano divulgou as minúcias do processo contra os templários, no início do século XIV. Com isso, a ordem de cavaleiros cristãos mais famosa, influente e poderosa da Idade Média terá seu nome limpo em definitivo sem qualquer sombra de dúvida.

Embora não chegasse a ser um segredo — e a História já tivesse se encarregado de pôr por terra as acusações de heresia que fundamentaram a investida de Felipe o Belo, da França, contra os templários — ainda faltava o reconhecimento do ator principal no processo: a Igreja Católica. Faltava. Graças ao trabalho de detetive da medievalista italiana Barbara Frale, o Vaticano corrigiu oficialmente a versão falsa de um episódio histórico que começou a ser manipulado em 13 de outubro de 1307.

— O pergaminho estava catalogado incorretamente em algum ponto da História.

No início, não consegui acreditar nos meus olhos — disse a professora Barbara Frale, pesquisadora responsável pela descoberta do Pergaminho de Chinon em 2001. — Este era o documento que muitos historiadores estavam procurando.

Riqueza da ordem despertou cobiça

Criada no ano de 1119 em pleno fervor religioso das Cruzadas, que sacudiu a Europa de uma letargia de séculos, a Ordem do Templo tinha por objetivo proteger os peregrinos à Terra Santa, recém-reconquistada aos árabes muçulmanos. Reunindo tanto plebeus como a fina flor da nobreza européia numa ordem militar com hábitos monásticos, os templários logo se transformaram numa das mais eficientes organizações da cristandade. Dona de uma vasta quantidade de terras e riquezas, a ordem financiou guerras de vários soberanos europeus e criou uma espécie de sistema bancário primitivo.

Polêmicos, ricos e independentes, os templários acabaram por despertar a cobiça de reis que procuravam reforçar sua posição numa Europa onde a autoridade espiritual de Roma se sobrepunha ao poder dos monarcas. Com a queda dos últimos baluartes cristãos na Palestina em 1291, a ordem começou a enfraquecerse.

Foi aí que Felipe o Belo viu uma oportunidade de agir. Querendo obter uma condenação póstuma do Papa Bonifácio VIII, que morrera após uma ação militar ordenada por ele, o rei usou os templários para pressionar o novo Pontífice, Clemente V. Alvo de boatos que lhes imputavam práticas blasfemas e heréticas (como renegar Cristo, cultuar um ídolo, cuspir na cruz e homossexualismo), os templários foram escolhidos como bodes expiatórios e sofreram um demorado processo que opôs Paris ao Papado.

O embate terminou com Clemente V se curvando ao poder de Felipe o Belo e declarando extinta a Ordem do Templo em 1312. Em março de 1314, o último grão-mestre templário, Jacques de Molay, pereceu na fogueira, voltado com as mãos em reza para Notre Dame.

— É nesse contexto que é necessário reposicionar o caso dos templários. É um conflito ideológico entre a Igreja e a vontade do rei de ser o mestre absoluto em seu reino. Felipe o Belo aproveitou a ocasião para acentuar a pressão sobre o Papa — disse ao GLOBO, de Paris, o historiador Alain Demurger, professor da Universidade Sorbonne e autor do livro “Os templários” (Editora Difel). — O processo do Templo foi fabricado pela monarquia francesa. A motivação financeira foi secundária, embora o rei soubesse tirar proveito financeiro do caso.

Esquecidas por séculos entre os milhões de documentos guardados em dezenas de quilômetros de estantes no Vaticano, as atas do “Processus contra templarios” ganharam edição de luxo de 800 cópias, das quais 799 serão vendidas por 5.900 euros cada (R$ 15 mil) — uma foi presenteada ao Papa Bento XVI. No pacote de encher os olhos de qualquer historiador, a peça principal é o Pergaminho de Chinon, cujo nome remete ao castelo francês onde os templários foram julgados em 1308. O documento mostra que o Papa Clemente V na verdade absolveu os templários da acusação de heresia, a espinha dorsal do processo contra a ordem, embora reconhecesse que os cavaleiros fossem culpados de delitos menores aos olhos da Igreja, como violência, abusos e atos pecaminosos.

— Mas isso não é o mesmo que heresia — destaca a historiadora Barbara Frale, para quem o Papa determinou a extinção da ordem “para o bem da Igreja”, a fim de evitar um choque frontal com Felipe o Belo.

Segundo relatos, em suas cerimônias de iniciação os templários entregavam-se a práticas heréticas. No pergaminho, os cardeais que interrogaram o grão-mestre da ordem, Jacques de Molay, deixam claro que ele cuspiu no chão e “renegou Deus somente com palavras e sem intenção”. Para muitos historiadores, o ritual era apenas uma forma de o cavaleiro iniciado provar sua fidelidade total à ordem e se preparar para a caso de ser feito prisioneiro dos muçulmanos, quando teria de renegar a religião cristã para preservar a vida.

— É preciso enfatizar um ponto: em 1312, a ordem foi suprimida administrativamente, mas não foi julgada nem condenada — diz o historiador Alain Demurgé.

Pode ser, mas o que ficou registrado na memória da posteridade foram as centenas de execuções de templários condenados por heresia na fogueira, além da culpa implícita que o fechamento da ordem deixava no ar. Uma trama fértil para o surgimento de teorias e mitos, a extinção dos templários tem sido explorada amplamente pela ficção — um dos maiores sucessor literários dos últimos tempos, “O código Da Vinci”, de Dan Brown, usa e abusa do tema.

Com a absolvição oficial da Igreja atrasada 700 anos, o imaginário popular dificilmente será alterado, e o mais provável é que a “lenda negra” dos templários — apesar dos novos documentos — perdure por outros sete séculos mais.

Riqueza da ordem despertou cobiça

Criada no ano de 1119 em pleno fervor religioso das Cruzadas, que sacudiu a Europa de uma letargia de séculos, a Ordem do Templo tinha por objetivo proteger os peregrinos à Terra Santa, recém-reconquistada aos árabes muçulmanos. Reunindo tanto plebeus como a fina flor da nobreza européia numa ordem militar com hábitos monásticos, os templários logo se transformaram numa das mais eficientes organizações da cristandade. Dona de uma vasta quantidade de terras e riquezas, a ordem financiou guerras de vários soberanos europeus e criou uma espécie de sistema bancário primitivo.

Polêmicos, ricos e independentes, os templários acabaram por despertar a cobiça de reis que procuravam reforçar sua posição numa Europa onde a autoridade espiritual de Roma se sobrepunha ao poder dos monarcas. Com a queda dos últimos baluartes cristãos na Palestina em 1291, a ordem começou a enfraquecerse.

Foi aí que Felipe o Belo viu uma oportunidade de agir. Querendo obter uma condenação póstuma do Papa Bonifácio VIII, que morrera após uma ação militar ordenada por ele, o rei usou os templários para pressionar o novo Pontífice, Clemente V. Alvo de boatos que lhes imputavam práticas blasfemas e heréticas (como renegar Cristo, cultuar um ídolo, cuspir na cruz e homossexualismo), os templários foram escolhidos como bodes expiatórios e sofreram um demorado processo que opôs Paris ao Papado.

O embate terminou com Clemente V se curvando ao poder de Felipe o Belo e declarando extinta a Ordem do Templo em 1312. Em março de 1314, o último grão-mestre templário, Jacques de Molay, pereceu na fogueira, voltado com as mãos em reza para Notre Dame.

— É nesse contexto que é necessário reposicionar o caso dos templários. É um conflito ideológico entre a Igreja e a vontade do rei de ser o mestre absoluto em seu reino. Felipe o Belo aproveitou a ocasião para acentuar a pressão sobre o Papa — disse ao GLOBO, de Paris, o historiador Alain Demurger, professor da Universidade Sorbonne e autor do livro “Os templários” (Editora Difel). — O processo do Templo foi fabricado pela monarquia francesa. A motivação financeira foi secundária, embora o rei soubesse tirar proveito financeiro do caso.

Esquecidas por séculos entre os milhões de documentos guardados em dezenas de quilômetros de estantes no Vaticano, as atas do “Processus contra templarios” ganharam edição de luxo de 800 cópias, das quais 799 serão vendidas por 5.900 euros cada (R$ 15 mil) — uma foi presenteada ao Papa Bento XVI. No pacote de encher os olhos de qualquer historiador, a peça principal é o Pergaminho de Chinon, cujo nome remete ao castelo francês onde os templários foram julgados em 1308. O documento mostra que o Papa Clemente V na verdade absolveu os templários da acusação de heresia, a espinha dorsal do processo contra a ordem, embora reconhecesse que os cavaleiros fossem culpados de delitos menores aos olhos da Igreja, como violência, abusos e atos pecaminosos.

— Mas isso não é o mesmo que heresia — destaca a historiadora Barbara Frale, para quem o Papa determinou a extinção da ordem “para o bem da Igreja”, a fim de evitar um choque frontal com Felipe o Belo.

Segundo relatos, em suas cerimônias de iniciação os templários entregavam-se a práticas heréticas. No pergaminho, os cardeais que interrogaram o grão-mestre da ordem, Jacques de Molay, deixam claro que ele cuspiu no chão e “renegou Deus somente com palavras e sem intenção”. Para muitos historiadores, o ritual era apenas uma forma de o cavaleiro iniciado provar sua fidelidade total à ordem e se preparar para a caso de ser feito prisioneiro dos muçulmanos, quando teria de renegar a religião cristã para preservar a vida.

— É preciso enfatizar um ponto: em 1312, a ordem foi suprimida administrativamente, mas não foi julgada nem condenada — diz o historiador Alain Demurgé.

Pode ser, mas o que ficou registrado na memória da posteridade foram as centenas de execuções de templários condenados por heresia na fogueira, além da culpa implícita que o fechamento da ordem deixava no ar. Uma trama fértil para o surgimento de teorias e mitos, a extinção dos templários tem sido explorada amplamente pela ficção — um dos maiores sucessor literários dos últimos tempos, “O código Da Vinci”, de Dan Brown, usa e abusa do tema.

Com a absolvição oficial da Igreja atrasada 700 anos, o imaginário popular dificilmente será alterado, e o mais provável é que a “lenda negra” dos templários — apesar dos novos documentos — perdure por outros sete séculos mais.

A Ordem do Templo e a Descoberta do Brasil

Uma linha histórica direta liga a Ordem do Templo ao Brasil, embora 188 anos separem a morte de uma e o nascimento de outro. Extinta em 1312, a organização foi recriada em Portugal sob outra roupagem em 1319, patrocinada pelo rei D. Dinis e autorizada pelo Papa João XXII, sucessor de Clemente V. O jeitinho português deu o nome de Ordem de Cristo aos novos templários, que mantiveram o ideal das Cruzadas de combate aos muçulmanos.

De posse das propriedades e riquezas do Templo em Portugal, a Ordem de Cristo se transformou numa importante organização dentro do reino nos séculos seguintes, tornando-se parte integrante na aventura das Grandes Navegações, na qual investiu pesadamente.

O Infante D. Henrique, principal figura da conquista portuguesa do Oceano Atlântico no século XV, era administrador da ordem, cujo símbolo, a Cruz de Cristo, ornava as velas das embarcações que partiam em busca do desconhecido.

Pertenceram também aos quadros da organização tanto Vasco da Gama como Pedro Álvares Cabral, que, ao desembarcar na Bahia em abril de 1500, cravou em solo brasileiro uma bandeira — a primeira em solo nacional — da Ordem de Cristo, reclamando a terra descoberta não apenas para o rei de Portugal, mas também para a cristandade.

A Ordem de Cristo foi reformada pela rainha Maria I em 1789, continuando como uma organização de caráter monásticomilitar até que as ordens religiosas fossem extintas em Portugal, em 1834. A partir desse ano, ela tornou-se uma ordem honorífica. Com a proclamação da república em Portugal, em 1910, a Ordem de Cristo foi oficialmente extinta, sendo recriada em 1917.