domingo, agosto 19, 2007

O Reino de Judá

O Reino davídico de Judá

Durante os mais de 300 anos de existência o Reino de Judá, sob a regência desde sempre da linhagem real dos descendentes de Davi que fundou o reino lá por volta do século X a.C , o passado conturbado tribal havia sido deixado para trás, o país se mostrava praticamente incólume a invasão estrangeira bem como também desfrutava de certo grau de estabilidade institucional e modesta prosperidade material enquanto ao mesmo tempo seus vizinhos enfrentavam sucessivos golpes de estado, rebeliões e tudo mais de pior.

Ao lado disto foi aos poucos consolidando e difundindo a crença entre a população local de que havia um deus uno pairando sobre suas cabeças que tal como um juiz zelosamente atribuía nesta vida recompensas e punições a todos de acordo com seus méritos e respectivas falhas.

Mais que isto contemplando seus vizinhos de fronteira e o caos em que vivia em contraste a paz que o reino davídico de Judá ofertava figurou fácil concluir no apego de uma visão mais supersticiosa que muito disto seria por responsabilidade deles não só cultuarem um sem-número de divindades tal como os estrangeiros faziam como também pelo estarem depositando sua fé em uma certa divindade a que chamavam de ´´YHWH.´´

YHWH

No caso´´YHWH´´ remontava na origem ao tempo dos mais antigos ancestrais do Reino de Judá quando ainda eram tribos nômades e vagueavam pela Mesopotâmia ( atual Iraque ), valendo observar que nasce o culto como uma referência religiosa de uma divindade tribal e só apenas sendo ´´elevada´´ ao status de ´´ deus uno ´´ ou em outras palavras ´´ YHWH´´ surge tão-somente como uma espécie de deus patrono de uma tribo e mantenedor sobrenatural de sua linhagem de descendentes .

Esta convicção do Reino de Judá ser sobrenaturalmente protegido pela Providencia ganhou um reforço principalmente quando em 722 a.C por ocasião da invasão assíria, então comandados pelo Rei Senaqueribe, o país quase sucumbiu sob o domínio de mãos estrangeiras depois de um longo periodo de cerco.

A vitória de toda maneira do Reino de Judá como de praxe foi conferida a ´YHWH´´ muito embora ela não tenha sido um triunfo dos mais retumbantes já que ao final acataram serem uma espécie de vassalos dos assírios , situação que ficaram por um bom tempo até conseguirem sua independência por volta do ano 640 a.C .

De novo a credulidade ganhava terreno no lugar do uso da reta razão na análise dos fatos, porém, não demorou para esta tosca fantasia se desmanchar no ar com fumaça como a sucessão fria e lógica dos eventos não tardou por demonstrar quando em 587 a.C o país foi praticamente destruído pelos caldeus sob Nabucodonosor II.

Agora o relevante não foi a destruição levada a cabo pelos babilônios, mas sim a conseqüência mais direta da invasão do Reino de Judá foi que boa parte da população acabou sendo levada ao exílio para a Babilônia ( calcula-se algo ao redor de 40 mil pessoas ) e mais outra leva sendo conduzida ao mesmo fim uns 11 anos depois por conta de debelar uma rebelião.

Aliás, cumpre cumpre observar que o período assírio de ocupação apesar de menos violento em comparação ao realizado pelos babilônicos também gerou a deportação de insatisfeitos do Reino de Judá para o Império Assírio ao lado da construção de colônias de assírias em território do Reino de Judá , muito embora não se saiba até hoje com exatidão qual foi o impacto demográfico deste processo e em geral a idéia defendida que ela foi bem menos intensa que no caso babilônico.

A persistencia de uma crença

Poderia se pensar que a crença nos poderes de ´YHWH´ sofreria um forte abalo depois desta verdadeira catástrofe, só que pelo contrário a queda do Reino de Judá foi atribuída ao Rei Manassés como um ´castigo divino´ por ele como monarca regente do país, o décimo - quarto na dinastia davídica , ter falhado em seus deveres para com ´YHWH´ . -No caso quem supostamente teria ´´herdado´´ esta maldição, quase um século a morte de Manassés, foi o coitado do Rei Sedecias que figurou como o último monarca da dinastia davídica.

Aos poucos entre os exilados na Babilônia surgiu ao lado do anseio pelo retorno a terra-natal também o restabelecimento do Reino de Judá sob o comando de um monarca da velha dinastia davídica para que fosse resgatado todo esplendor da Era de Ouro perdida daquele reino.

O Ungido

Ocorre que um exilado expressar tais desejos em público representava o mesmo que conspirar contra o bem estar dos babilônios e fomentar toda sorte de atividade tida como subversiva contra aquele governo agora sob o controle das terras do antigo Reino de Judá.

Disto surgiu entre os exilados o costume de apenas fazer veladas alusões à volta do rei e seu reino, assim eles falavam do retorno do ´´ Mashiach´´ que quer dizer literalmente ´´ o consagrado´´ e do estabelecimento do ´´Reino de Deus´´ numa sorrateira analogia tanto ao fato que o rei era ungido / consagrado como parte do ritual de sua coroação quanto que o Reino de Judá era ´´providencialmente´´ protegido por ´´ Deus´´ / ´YHWH´ .

Um retorno não como o esperado

Apenas em 537 a.C finalmente os exilados conseguiram lograr autorização então pelo Imperador Círio II dos persas , sucessor dos babilônicos como liderança da potência imperialista da região, para retornarem as terras de seus ancestrais .

A este tempo fato é que muitos já estavam totalmente considerando o que seria seu´´cativeiro´´ na Babilônia como sendo seu novo lar e por conta disto estavam pouco dispostos a aventurar-se em buscar realizar o que seria um sonho utópico dos seus antepassados de reconstruir o Reino de Judá no lugar de conduzir sua vida .

Por outro lado aos que ficaram nas terras originárias do Reino de Judá encaravam os descendentes dos exilados como tão ´´estrangeiros´´ quanto qualquer outro vindo de ´´ fora´´ ao ponto de afirmar que os nascidos durante o ´´cativeiro ´´da Babilônia não respeitasse mais os costumes e tradições ancestrais com o mesmo tipo de acusação sendo feita pelos exilados em relação aos que permaneceram .

sábado, agosto 11, 2007

EPÍSTOLA A DIOGNETO

EPÍSTOLA A DIOGNETO


Autor: Desconhecido


Transmissão: Luiz Fernando Karps Pasquotto

(Fonte: Agnus Dei)

Um pagão culto, desejoso de conhecer melhor a nova religião que se espalhava pelas províncias do império romano, impressionado pela maneira como os cristãos desprezavam o mundo, a morte e os deuses pagãos, pelo amor com que se amavam, queria saber: que Deus era aquele em quem confiavam e que gênero de culto lhe prestavam; de onde vinha aquela raça nova e por que razões aparecera na história tão tarde.

Foi para responder a estas e outras questões de igual importância que nasceu esta jóia da literatura cristã primitiva, o escrito que conhecemos como Epístola a Diogneto.

O texto se revela, simultaneamente, como crítica do paganismo e do judaísmo e defesa da superioridade do cristianismo.

Sobre este documento, infelizmente, não se sabe muita coisa. Elementos importantes que ajudam a determinar e caracterizar uma obra, tais como autor, data e local de composição, bem como o destinatário, ficam na sombra. De qualquer maneira trata-se de um documento de primeira grandeza sobre a vida cristã primitiva que merece ser colocado entre as obras mais brilhantes da literatura cristã.

De acordo com os últimos estudos o destinatário mais provável seria o imperador Adriano, que exercia a função de arconte em Atenas desde 112 d.C.

Exórdio

Excelentíssimo Diogneto,

1. Vejo que te interessas em aprender a religião dos cristãos e que, muito sábia e cuidadosamente te informaste sobre eles: Qual é esse Deus no qual confiam e como o veneram, para que todos eles desdenhem o mundo, desprezem a morte, e não considerem os deuses que os gregos reconhecem, nem observem a crença dos judeus; que tipo de amor é esse que eles têm uns para com os outros; e, finalmente, por que esta nova estirpe ou gênero de vida apareceu agora e não antes. Aprovo este teu desejo e peço a Deus, o qual preside tanto o nosso falar como o nosso ouvir, que me conceda dizer de tal modo que, ao escutar, te tornes melhor; e assim, ao escutares, não se arrependa aquele que falou.

2. Comecemos. Purificado de todos os preconceitos que se amontoam em sua mente; despojado do teu hábito enganador, e tornado, pela raiz, homem novo; e estando para escutar, como confessas, uma doutrina nova, vê não somente com os olhos, mas também com a inteligência, que substância e que forma possuem os que dizeis que são deuses e assim os considerais; não é verdade que um é pedra, como a que pisamos; outro é bronze, não melhor que aquele que serve para fazer os utensílios que usamos; outro é madeira que já está podre; outro ainda é prata, que necessita de alguém que o guarde, para que não seja roubado; outro é ferro, consumido pela ferrugem; outro de barro, não menos escolhido que aquele usado para os serviços mais vis? Tudo isso não é de material corruptível? Não são lavrados com o ferro e o fogo? Não foi o ferreiro que modelou um, o ourives outro e o oleiro outro? Não é verdade que antes de serem moldados pelos artesãos na forma que agora têm, cada um deles poderia ser, como agora transformado em outro? E se os mesmos artesãos trabalhassem os mesmos utensílios do mesmo material que agora vemos, não poderiam transformar-se em deuses como esses? E, ao contrário, esses que adorais, não poderiam transformar-se, por mãos de homens, em utensílios semelhantes aos demais? Essas coisas todas não são surdas, cegas, inanimadas, insensíveis, imóveis? Não apodrecem todas elas? Não são destrutíveis? A essas coisas chamais de deuses, as servis, as adorais, e terminais sendo semelhante a elas. Depois, odiais os cristãos, porque estes não os consideram deuses. Contudo, vós que os julgais e imaginais deuses, não os desprezais mais do que eles? Por acaso não zombais deles e os cobris ainda mais de injúrias, vós que venerais deuses de pedra e de barro, sem ninguém que os guarde, enquanto fechais à chave, durante a noite, aqueles feitos de prata e de ouro, e de dia colocais guardas para que não sejam roubados? Com as honras que acreditais tributar-lhes, se é que eles têm sensibilidade, na verdade os castigais com elas; por outro lado, se são insensíveis, vós os envergonhais com sacrifícios de sangue e gordura. Caso contrário, que alguém de vós prove essas coisas e permita que elas lhe sejam feitas. Mas o homem, espontaneamente, não suportaria tal suplício, porque tem sensibilidade e inteligência; a pedra, porém, suporta tudo, porque é insensível. Concluindo, eu poderia dizer-te outras coisas sobre o motivo que os cristãos têm para não se submeterem a esses deuses. Se o que eu disse parece insuficiente para alguém, creio que seja inútil dizer mais alguma coisa.

3. Por outro lado, creio que desejais particularmente saber por que eles não adoram Deus à maneira dos judeus. Os judeus têm razão quando rejeitam a idolatria, de que falamos antes, e prestam culto a um só Deus, considerando-o Senhor do universo.Contudo, erram quando lhe prestam um culto semelhante ao dos pagãos. Assim como os gregos demonstram idiotice, sacrificando a coisas insensíveis e surdas, eles também, pensando em oferecer coisas a Deus, como se ele tivesse necessidade delas, realizam algo que é parecido a loucura, e não um ato de culto. "Quem fez o céu e a terra, e tudo o que neles existe", e que provê todo aquilo de que necessitamos, não tem necessidade nenhuma desses bens.Ele próprio fornece as coisas àqueles que acreditam oferece-las a ele. Aqueles que crêem oferecer-lhe sacrifícios com sangue, gordura e holocaustos, e que o enaltecem com esses atos, não me parecem diferentes daqueles que tributam reverência a ídolos surdos, que não podem participar do culto. Os outros imaginam estar dando algo a quem de nada precisa.

4. Não creio que tenhas necessidade de que eu te informe sobre o escrúpulo deles a respeito de certos alimentos, a sua superstição sobre os sábados, seu orgulho da circuncisão, seu fingimento com jejuns e novilúnios, coisas todas ridículas, que não merecem nenhuma consideração. Não será injusto aceitar algumas das coisas criadas por Deus para uso dos homens como bem criadas e rejeitar outras como inúteis e supérfluas? Não é sacrílego caluniar a Deus, imaginando que nos proíbe fazer algum bem em dia de sábado? Não é digno de zombaria orgulhar-se da mutilação do corpo como sinal de eleição, acreditando, com isso ser particularmente amados por Deus? E o fato de estar em perpétua vigilância diante dos astros e da lua, para calcular os meses e os dias, e distribuir as disposições de Deus, e dividir as mudanças das estações conforme seus próprios impulsos, umas para festa e outras para luto? Quem consideraria isto prova de insensatez e não de religião? Penso que agora tenhas entendido suficientemente por que os cristãos estão certos em se abster da vaidade e do engano, assim como das complicadas observâncias e das vanglórias dos judeus. Não creias poder aprender do homem o mistério de sua própria religião.

5. Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por sua língua ou costumes. Com efeito, não moram em cidades próprias, nem falam língua estranha, nem têm algum modo especial de viver. Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e a especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano. Pelo contrário, vivendo em casa gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam tudo como estrangeiros.Toda pátria estrangeira é pátria deles, a cada pátria é estrangeira. Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Põe a mesa em comum, mas não o leito; estão na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem as leis estabelecidas, as com sua vida ultrapassam as leis; amam a todos e são perseguidos por todos; são desconhecidos e, apesar disso, condenados; são mortos e, deste modo, lhes é dada a vida; são pobres e enriquecem a muitos; carecem de tudo e tem abundância de tudo; são desprezados e, no desprezo, tornam-se glorificados; são amaldiçoados e, depois, proclamados justos; são injuriados, e bendizem; são maltratados, e honram; fazem o bem, e são punidos como malfeitores; são condenados, e se alegram como se recebessem a vida. Pelos judeus são combatidos como estrangeiros, pelos gregos são perseguidos, a aqueles que os odeiam não saberiam dizer o motivo do ódio.

6. Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim estão os cristãos no mundo. A alma está espalhada por todas as partes do corpo, e os cristãos estão em todas as partes do mundo. A alma habita no corpo, mas não procede do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo.A alma invisível está contida num corpo visível; os cristãos são vistos no mundo, mas sua religião é invisível. A carne odeia e combate a alma, embora não tenha recebido nenhuma ofensa dela, porque esta a impede de gozar dos prazeres; embora não tenha recebido injustiça dos cristãos, o mundo os odeia, porque estes se opõem aos prazeres. A alma ama a carne e os membros que a odeiam; também os cristãos amam aqueles que os odeiam. A alma está contida no corpo, mas é ela que sustenta o corpo; também os cristãos estão no mundo como numa prisão, mas são eles que sustentam o mundo.A alma imortal habita em uma tenda mortal; também os cristãos habitam como estrangeiros em moradas que se corrompem, esperando a incorruptibilidade nos céus. Maltratada em comidas e bebidas, a alma torna-se melhor; também os cristãos, maltratados, a cada dia mais se multiplicam. Tal é o posto que Deus lhes determinou, e não lhes é lícito dele desertar.

7. De fato, como já disse, não é uma invenção humana que lhes foi transmitida, nem julgam digno observar com tanto cuidado um pensamento mortal, nem se lhes confiou a administração de mistérios humanos. Ao contrario, aquele que é verdadeiramente senhor e criador de tudo, o Deus invisível, ele próprio fez descer do céu, para o meio dos homens, a verdade, a palavra santa e incompreensível, e a colocou em seus corações. Fez isso, não m,andando para os homens, como alguém poderia imaginar, algum dos seus servos, ou um anjo, ou algum príncipe daqueles que governam as coisas terrestres, ou algum dos que são encarregados das administrações dos céus, mas o próprio artífice e criador do universo; aquele por meio do qual ele criou os céus e através do qual encerrou o mar em seus limites; aquele cujo mistério todos os elementos guardam fielmente; aquele de cuja mão o sol recebeu as medidas que deve observar em seu curso cotidiano; aquele a quem a lua obedece, quando lhe manda luzir durante a noite; aquele a quem obedecem as estrelas que formam o séqüito da lua em seu percurso; aquele que, finalmente, por meio do qual todo foi ordenado, delimitado e disposto: os céus e as coisas que existem nos céus, a terra e as coisas que existem na terra, o mar e as coisas que existem no mar, o fogo, o ar, o abismo, aquilo que está no alto, o que está no profundo e o que está no meio. Foi esse que Deus enviou. Talvez, como alguém poderia pensar, será que o enviou para que existisse uma tirania ou para infundir-nos medo e prostração? De modo algum. Ao contrário, enviou-o com clemência e mansidão, como um rei que envia seu filho. Deus o enviou, e o enviou como homem para os homens; enviou-o para nos salvar, para persuadir, e não para violentar, pois em Deus não há violência. Enviou-o para chamar, e não para castigar; enviou-o, finalmente, para amar, e não para julgar. Ele o enviará para julgar, e quem poderá suportar sua presença? Não vês como os cristãos são jogados às feras, para que reneguem o Senhor, e não se deixam vencer? Não vês como quanto mais são castigados com a morte, tanto mais outros se multiplicam? Isso não parece obra humana. Isso pertence ao poder de Deus e prova a sua presença.

8. Quem de todos os homens sabia o que é Deus, antes que ele próprio viesse? Quererás aceitar os discursos vazios e estúpidos dos filósofos, que por certo são dignos de toda fé? Alguns afirmam que Deus é o fogo - para onde irão estes, chamando-o de deus? - Outros diziam que é água. Outros ainda que é dos elementos criados por Deus. Não há dúvida de que se alguma dessas afirmações é aceitável, poderíamos também afirmar que cada uma de todas as criaturas igualmente manifesta Deus. Mas todas essas coisas são charlatanices e invenções de charlatões. Nenhum homem viu, nem conheceu a Deus, mas ele próprio se revelou a nós. Revelou-se mediante a fé, unicamente pala qual é concedido ver a Deus. Deus, Senhor e criador do universo, que fez todas as coisas e as estabeleceu em ordem, não só se mostrou amigo dos homens, mas também paciente. Ele sempre foi assim, continua sendo, e o será: clemente, bom, manso e verdadeiro. Somente ele é bom. Tendo concebido grande e inefável projeto, ele o comunicou somente ao Filho. Enquanto o mantinha no mistério e guardava sua sábia vontade, parecia que não cuidava de nós, não pensava em nós. Todavia, quando, por meio de seu Filho amado, revelou e manifesto o que tinha estabelecido desde o princípio, concedeu-nos junto todas as coisas: não só participar de seu benefícios, mas ver e compreender coisas que nenhum de nós teria jamais esperado.

9. Quando Deus dispôs todo em si mesmo juntamente com seu Filho, no tempo passado, ele permitiu que nós, conforme a nossa vontade, nos deixássemos arrastar por nossos impulsos desordenados, levados por prazeres e concupiscências. Ele não se comprázia com os nossos pecados, mas também os suportava. Também não aprovava aquele tempo de injustiça, mas preparava o tempo atual de justiça, para que nos convencêssemos de que naquele tempo, por causa de nossas obras, éramos indignos da vida, e agora, só pela bondade de Deus, somos dignos dela. Também para que ficasse claro que por nossas forças era impossível entrar no Reino de Deus, e que somente pelo seu poder nos tornamos capazes disso. Quando a nossa injustiça chegou ao máximo e ficou claro que a única retribuição que poderiam esperar era castigo e morte, chegou o tempo que Deus estabelecera para manifestar a sua bondade e o seu poder. Oh imensa bondade e amor de Deus! Ele não nos odiou, não nos rejeitou, nem guardou ressentimento contra nós. Pelo contrário, mostrou-se paciente e nos suportou. Com, misericórdia tomou para si os nossos pecados e enviou o seu Filho para nos resgatar: o santo pelos ímpios, o inocente pelos maus, o justo pelos injustos, o incorruptível pelos corruptíveis, o imortal pelos mortais. De fato, que outra coisa poderia cobrir nossos pecados, senão a sua justiça? Por meio de quem poderíamos ter sido justificados nós, injustos e ímpios, a não ser unicamente pelo Filho de Deus? Oh doce troca, oh obra insondável, oh inesperados benefícios! A injustiça de muito é reparada por um só justo, e a justiça de um só torna justos muitos outros. Ele antes nos convenceu da impotência da nossa natureza para ter a vida; agora mostra-nos o salvador capaz de salvar até mesmo o impossível Com essas duas coisas, ele quis que confiássemos na sua bondade e considerássemos nosso sustentador, pai, mestre, conselheiro, médico, inteligência, luz, homem, glória, força, vida, sem preocupações com a roupa e o alimento.

10. Se também desejas alcançar esta fé, primeiro deves obter o conhecimento do Pai. Deus, com efeito, amou os homens. Para eles criou o mundo e a eles submeteu todas as coisas que estão sobre a terra. Deu-lhes a palavra e a razão, e só a eles permitiu contemplá-lo. Formou-os à sua imagem, enviou-lhes o seu Filho unigênito, anunciou-lhes o reino do céu, e o dará àqueles que o tiverem amado. Depois de conhece-lo, tens idéia da alegria com que será preenchido? Como não amarás aquele que tanto te amou? Amando-o, tu te tornarás imitador da sua bondade. Não te maravilhes de que um homem possa se tornar imitador de Deus. Se Deus quiser, o homem poderá. A felicidade não está em oprimir o próximo, ou em querer estar pro cima dos mais fracos, ou enriquecer-se e praticar violência contra os inferiores. Deste modo, ninguém pode imitar a Deus, pois tudo isto está longe de sua grandeza. Todavia, quem toma para si o peso do próximo, e naquilo que é superior procura beneficiar o inferior; aquele que dá aos necessitados o que recebeu de Deus, é como Deus para os que receberam de sua mão, é imitador de Deus. Então, ainda estando na terra, contemplarás porque Deus reina nos céus. Aí começarás a falar dos mistérios de Deus, amarás e admirarás os que são castigados por não querer negar a Deus. Condenarás o erro e o engano do mundo, quando realmente conheceres a vida no céu, quando desprezares esta vida que aqui parece morte, e temeres a morte verdadeira, reservada àqueles que estão condenados ao fogo eterno, que atormentarás até o fim aqueles que lhe forem entregues. Se conheceres este fogo, ficarás admirado, e chamarás de felizes aqueles que, com justiça, suportaram o fogo passageiro.

11. Não falo de coisas estranhas, nem busco coisas absurdas. Discípulo dos apóstolos, torno-me agora mestre das nações e transmito o que me foi entregue para aqueles que se tornaram discípulos dignos da verdade. De fato quem foi retamente instruído e gerado pelo Verbo amável, não procura aprender com clareza o que o mesmo Verbo claramente mostrou aos seus discípulos? O Verbo apareceu para eles, manifestando-se e falando livremente. Os incrédulos não o compreenderam, mas ele guiou os discípulos que julgou fiéis, e estes conheceram os mistérios do Pai. Deu enviou o Verbo como graça, para que se manifestasse ao mundo. Desprezado pelo povo, foi anunciado pelos apóstolos a acreditado pelos pagãos. Desde o princípio e apareceu como novo e era antigo, a agora sempre se torna novo nos corações dos fiéis. Ele é desde sempre, e hoje é reconhecido como Filho. Por meio dele, a Igreja se enriquece e a graça se multiplica, difundindo-se nos fiéis. Essa graça inspira a sabedoria, desvela os mistérios e anuncia os tempos, alegra-se nos fiéis, entrega-se aos que a buscam, sem infringir as regras da fé nem ultrapassar os limites dos Padres. Celebra-se então o temor da lei, reconhecesse a graça dos profetas, conserva-se a fé dos evangelhos, guarda-se a tradição dos apóstolos e a graça da Igreja exulta. Não contristando essa graça, saberás o que o Verbo diz por meio dos que ele quer e quando quer. Com efeito, quantas coisas fomos levados a vos explicar com zelo pala vontade do Verbo que no-las inspira! Nós vos comunicamos por amor essas mesmas coisas que nos foram reveladas.

12. Atendendo e ouvindo com cuidado, conhecereis que coisas Deus prepara para os que o amam com lealdade. Transformam-se em paraíso de delícias, produzindo em si mesmos uma arvora fértil e frondosa, ornados com toda a variedade de frutos. Com efeito, neste lugar foi plantada a árvore da ciência e a arvora da vida; não é a arvora da ciência que mata, e sim a desobediência. Não é sem sentido que está escrito: No princípio Deus plantou a arvora da ciência da vida no meio do paraíso, indicando assim a vida por meio da ciência. Contudo, por não tê-la usado de maneira pura, os primeiros homens ficaram nus por causa da sedução da serpente. De fato, não há vida sem ciência, nem ciência segura sem verdadeira vida, e por isso as duas árvores foram plantadas uma perto da outra. Compreendendo essa força e lastimando a ciência que se exercita sobre a vida sem a norma da verdade, o Apóstolo diz: "A ciência incha; o amor, porém, edifica." De fato, quem pensa que sabe alguma coisa sem a verdadeira ciência, testemunhada pela vida, não sabe nada: é enganado pala serpente, não tendo amado a vida. Aquele, porém, que sabe com temor e procura a vida, planta na esperança, esperando o fruto. Que a ciência seja coração para ti; a vida seja o Verbo verdadeiramente compreendido. Levando a arvora dele e produzindo fruto, sempre colherás o que é agradável diante de Deus, o que a serpente não toca, nem se mistura em engano; nem Eva é corrompida, mas reconhecida como virgem. A salvação é mostrada, os apóstolos são compreendidos, a Páscoa do Senhor se adianta, os círios se reúnem, harmoniza-se com o mundo e, instruindo os santos, o Verbo se alegra, pelo qual o Pai é glorificado. A ele, a glória pelos séculos. Amém.